sexta-feira, 4 de julho de 2008

Pedrinhas de Aruanda







    E no meio de isso tudo eu paro pra cuidar da minha horta. Enquanto meu filho brinca na tarde ensolarada de inverno. Empilha pedrinhas e me imita, podando as folhas secas.
    Maria Bethânia canta seu Santo Amaro no dvd já gasto de tanto rodar e caso este post tenha um tema, e caso algum dia precise eu de algum tema pra viver, sempre volto e voltarei à ela: Maria Bethânia.
    Aos 15 anos percebi que existia um jeito simples e bom de se ser, e foi ela quem me apresentou.
    As cadeiras na calçada, as roseiras na varanda, as toalhas secando ao sol e uma suave brisa do mar nos cabelos.
    Me ensinou um jeito lindo de se olhar para o próprio país. De se respeitar sua cultura, pois quando ela canta o sertão que há em mim se abre e não há um só camponês que não seja eu. Sou todos, sou diversos. Sou negro, velho e iletrado. Sou terrivelmente feliz.
    Sinto cada fibra do músculo do meu coração se tonificar e ficar forte para a vida, pois para a música de pouco ou nada servem os ouvidos, música é assunto para a alma, e portanto, para os corajosos.
     Todos os poetas, todos os profetas a carregam como numa procissão quando ela canta. Tudo se ilumina, de tudo brota.
     Ela carrega o uivo do primeiro índio acuado nos trópicos, carrega o brado dos portugueses ambiciosos, carrega o canto do passaredo alheio, carrega os lamentos dos escravos, as risadas dos senhores, a festa na aldeia.
     Uma verdadeira cerimônia litúrgica se inicia quando ela chega. Yansã banha seus pés junto da Virgem Maria, e todos os santos dançam ao seu redor. É mais que uma voz, é mais que dona do dom, é rainha soberana, a verdadeira senhora das tempestades. Sem ela tudo seca, tudo é inútil e vulgar.
     Não é para todos, não é para todas as horas. É preciso saber usá-la. Guardar no fundo do peito para quando se precisa. É para olhos cansados mas jamais tristes. É para a vida com tanta intensidade que deve-se parar de viver por instantes para conseguir suportar. É para quem cultiva um pequeno broto de manjericão.


3 comentários:

Glauco disse...

quando te leio me sinto dentro de um cenário de belezas e verdades confeccionado por um arquiteto minucioso chamado "acaso"

Johnny na Babilônia disse...

Adorei este post! Parabéns!

Anônimo disse...

Que coisa mais linda!
Adorei!!!
Tânia sobre Bethânia...