sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

H.H

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas buscando aquele outro decantado surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo toma-me o corpo.
E que descanso me dá depois das lidas.
Sonhei penhascos quando havia o jardim aqui ao lado. 
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo ao invés de ganir diante do nada.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008



Diante do medo um sorriso aeróbico
Nas bochechas a caimbra de uma alegria incompleta
nada como um sorriso burro e paranóico
Para não perceber a velocidade terrível da queda.










quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sobre árvores e esquecimentos


e então me dei conta que morava em Alberobello e era uma artesã. 
Confesso que foi bom perceber que sempre estive aqui, no alto da colina, longe do mar, o que me faz falta, é verdade,mas não há secura.
Por aqui tudo brota, até uma imensa figueira que me acolhe com seu perfume místico quando não sei quem sou.
Há também um velho carvalho. Ele foi muito podado pelo lenhador, agora posso ver. Suas raízes fortes não deixam seus galhos balançarem ao vento, sem direção. O carvalho ri envergonhado dos figos frondosos que caem aos seus pés. Ele não pode alcançá-los, nem devorar sua carne roxa e suculenta.

A cidade é cinza para quem não sabe olhar, e eu tenho como missão guardar as cores escondidas nas frestas das ruelas.
Passo longos dias contemplando o fluxo com a alma livre e o corpo cansado. Escolhi ser barro trabalhado pela vida, e não me assusto se esse caminho não tiver paradeiro. Ser sozinha, ser selvagem e desobediente civil. Rasguei meu título de eleitor e nem raiva consigo sentir de Berlusconi. Ele nasceu em 29 de setembro de 1936. E por que ele também não poderia ser eu?
Sou quântica e holográfica, com relevo e profundidade. Integral e inteira. Não nego, sou negada.
Falo um dialeto das árvores que aprendi com os assírios, de uma época muito muito distante, de quando vivi na Mesopotâmia. Sim, também isso já aconteceu. De qualquer forma sempre fui camponesa, o que me enche de dignidade,porque sei o meu lugar no mundo.



Eu me reconheço, mas não lembro de nada disso. Deve ter sido longe daqui, ou mais tarde.

domingo, 23 de novembro de 2008

A Darth é assustadora de perto ou para uma amiga que nunca ousei gostar tanto e que faz tanta falta


        

            Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo.
            Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a desobediência representa respeito.
            Há um olhar que reconhece os curtos caminhos longos e os longos caminhos curtos.
            Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades perversas e traições de grandes lealdade.
            Este olhar é o da alma.



quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Este lugar é uma maravilha mas como é que faz pra sair da ilha?


Acordei fazendo cinema. Passos largos rumo a longa vida. Sim, acordei corajosa. 
Acordei catando os desejos espalhados pelo chão, escolhendo os que queria para o dia. Há que se respeitar meu momento hedonista.
Muita loucura acontecendo. A tal da Esperanza. Freedom. Fazer canto e oh yeah fazer jazz. Sim, a prática do shuffle também. 
Há todo um futuro vinil pela frente. Uma nova onda pra surfar, novas bossas.
Acordei então cena a cena. E nada é despercebido nessa ilha de edição. Recrio paixão em meus personagens. Coloco trilha sonora invisível. E eles dançam até mais tarde.
Acordei de grandes olhos abertos para o oceano pacífico.  

 

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Mas a sala rodopia e a pele treme, sim, há. 
Existe a física quântica, existe sim.
Nossas bocas se encontraram na lata de cerveja, sim.
E sou muitas, sou uma, sou aquela.
E há que se respeitar.
E quero ver dormir com um barulho desses.
É movimento, ritmo, há pulsação sim.
E não estou falando de você, nem de mim, nem de ninguém.
E não venha me decifrar pois vou te devorar.
Com a língua, com o gesto, com o acaso. 
Com o que permeia, impesteia, promete.
Há o trago de afago, tela de proteção golpe de realidade.
Nessa noite há arte e amor até mais tarde.
Ele veio me falar de desejo e prazer, e entrego o corpo à câmera. Ele fala de lado A e lado B.
Aflora. E fala de shuffle, e é fantástico. É realmente incrível que com mil possibilidades, o shuffle surpreenda por não se saber o que será visitado.
E me entrego, sim.
A dor e a delícia. 
À dor e à delícia.
Há dor e há delícia. 

terça-feira, 14 de outubro de 2008

de quando te (re)conheci ou porque Caótica Ana é mais do que simplesmente um filme para mim







Ontem quando te abracei na rua eu vi que o pedestre do pé no asfalto parou. Amar é algo assim como a eternidade.
Eu vivo plena, entre poemas e cebolas, mesmo que me veja assim chorando. Eu sei que você não vai entender pois ama seco quase sem suor, sem lágrima, sem sal algum. 
Eu te disse também ontem que agora eu era uma mulher sem dentes, e é verdade, eu acreditava na força da dentadura mas hoje sei que sobrevivo de sopa.
Eu não sei qual palavra usar pra dizer que sinto tua falta. 
Eu não sei como dizer que sou fênix sem dono e que ontem quando te abracei naquela esquina, na verdade eu já tinha ido. 
Aquele tempo não passa nunca. E o pedestre permanece ali, in-visível aos olhos.
 

 

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Dievas



hoje vi a face oculta de deus e nela eu era o universo de puro caos e amor.
era Ana, era Sibel, era Zingarina.
era a camponesa de saia rodada que se arrasta na grama. 
era a mãe sentada na beira da nascente vendo a prole brincar.
era mãos de lenha assando pães quentes de afeto e sal.
era fêmea ferida no orgulho dos ciclos e ovários. 
era a costela de Adão.
era a macaca da Etiópia perdida na Macedônia sem floresta.
era a menina comendo ovo cozido na praia de Santos. 
era mito sem rito algum. 
era dor e ardor na pele vulcânica. 
era emaranhado de erros e gestos afobados. 
era harmonia e acordes nos sons do sim. 
era pura aceitação de rebeldia.
era forte e feiticeira. 
era a morte.
era renascimento.



quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Tô mais pra Tom Zé do que pra São Jorge




          Caetano Veloso tá ficando um velhinho bonachão. Nem dá pra levá-lo à sério cantando com Roberto Carlos...





terça-feira, 16 de setembro de 2008


Saí atrás de mim  sem saber quando volto.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Miles em mim




                               

 Com meu trompete em punho sigo a revolução permanente.




quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ana Cañas e a Terceira História

        

      Um feixe de luz se abre do céu quando Ana Cañas entra no palco. O tempo pára e começa uma jornada de onde não se pode sair ileso.
      O primeiro acorde e um arrepio na espinha. Ela nasceu para se ser ao vivo, e sabe disso. 
      Os olhos marcantes voam longe e sua alma encara a humanidade com garra de bicho feroz. 
      É sua voz que impressiona sim, com potência e domínio. Mas ela toda vibra em puro improviso de quem se lança na vida sem rede de proteção. 
      Há nela uma espécie de líder de geração, de profetisa dos novos tempos.
      É tomada por força estranha que poderia se pensar que está incorporada por misteriosa entidade da música. Nessa dimensão paralela seres dançam na penumbra de um cabaré antigo, brindam com sorrisos de reconhecimento dos que sabem pelo que a vida vale a pena ser vivida. 
     Há nela uma atmosfera de becos soturnos, madrugadas embriagadas, do olhar da primeira mulher que passou batom, da sedução dos balcões.
     Através dela todas as dores e amores do mundo são expurgados num equilíbrio constante.
      Aliou-se à uma legião estrangeira de pessoas que carregam imensos instrumentos e são capazes de com eles preencherem todos os vazios.
      Sua língua é a da loucura que é a única capaz de expressar o que não se pode entender.


terça-feira, 15 de julho de 2008

Sobre a arte de ver beleza em todas as coisas ou quando um homem lava sua roupa






                        Ou simplesmente
         como somos parceiros no jeito de 
                       olhar.                                   

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Pedrinhas de Aruanda







    E no meio de isso tudo eu paro pra cuidar da minha horta. Enquanto meu filho brinca na tarde ensolarada de inverno. Empilha pedrinhas e me imita, podando as folhas secas.
    Maria Bethânia canta seu Santo Amaro no dvd já gasto de tanto rodar e caso este post tenha um tema, e caso algum dia precise eu de algum tema pra viver, sempre volto e voltarei à ela: Maria Bethânia.
    Aos 15 anos percebi que existia um jeito simples e bom de se ser, e foi ela quem me apresentou.
    As cadeiras na calçada, as roseiras na varanda, as toalhas secando ao sol e uma suave brisa do mar nos cabelos.
    Me ensinou um jeito lindo de se olhar para o próprio país. De se respeitar sua cultura, pois quando ela canta o sertão que há em mim se abre e não há um só camponês que não seja eu. Sou todos, sou diversos. Sou negro, velho e iletrado. Sou terrivelmente feliz.
    Sinto cada fibra do músculo do meu coração se tonificar e ficar forte para a vida, pois para a música de pouco ou nada servem os ouvidos, música é assunto para a alma, e portanto, para os corajosos.
     Todos os poetas, todos os profetas a carregam como numa procissão quando ela canta. Tudo se ilumina, de tudo brota.
     Ela carrega o uivo do primeiro índio acuado nos trópicos, carrega o brado dos portugueses ambiciosos, carrega o canto do passaredo alheio, carrega os lamentos dos escravos, as risadas dos senhores, a festa na aldeia.
     Uma verdadeira cerimônia litúrgica se inicia quando ela chega. Yansã banha seus pés junto da Virgem Maria, e todos os santos dançam ao seu redor. É mais que uma voz, é mais que dona do dom, é rainha soberana, a verdadeira senhora das tempestades. Sem ela tudo seca, tudo é inútil e vulgar.
     Não é para todos, não é para todas as horas. É preciso saber usá-la. Guardar no fundo do peito para quando se precisa. É para olhos cansados mas jamais tristes. É para a vida com tanta intensidade que deve-se parar de viver por instantes para conseguir suportar. É para quem cultiva um pequeno broto de manjericão.


domingo, 29 de junho de 2008

Sienta la Cabeza




     Era um passeio despretensioso de domingo quando demos de cara com seres absolutamente vivos e pulsantes e coloridos e dançantes fazendo esculturas nos cabelos dos passantes. Trabalhavam concentrados alheios à velocidade dos dias atuais, embalados por um dj, criando as mais variadas formas e cores nas cabeças daqueles que se dispunham a experimentar um novo jeito de pentear, de olhar e de pensar. Delicioso de participar mesmo de longe, com um rabo de cavalo.
     Depois vim a saber que tratava-se de uma companhia espanhola chamada Sienta La Cabeza, fundada por uma brasileira que na verdade era cabeleireira. Prova  que vida e arte não se distinguem. Junto de uma espanhola e de um inglês, rodam o mundo fazendo a cabeça das pessoas. 
     Pena que não há por enquanto previsão de mais apresentações no Brasil. Mas deixaram inspiração de sobra por aqui...

www.sientalacabeza.com

terça-feira, 24 de junho de 2008

Ana Cañas e duas histórias



    A primeira história começa assim:
    Há 6 ou 7 anos atrás eu trabalhava como monitora de exposição de um grande Centro Cultural de São Paulo. Entre todos os meus colegas de labuta, havia uma garota de nariz arrebitado e altivez no olhar. Eu a observava com especial interesse porque seus gestos faziam desenhos no ar enquanto articulava, e embora muitas vezes argumentasse como uma menina, todos a levavam à sério.
    Nunca ficamos amigas, e eu arriscaria até dizer que não era de seu feitio travar amizades pelo convívio vulgar de um ambiente de trabalho. 
    De um modo geral tratava a todos com doçura e uma certa hostilidade. Aliás havia em sua eficiência uma displicência, como se fosse uma princesa coroada de um reino muy distante. 
    Evidente que tentava disfarçar, mas para pessoas com um olhar aguçado como o meu, estava claro que ela, de alguma forma, suspeitava de seu futuro auspicioso. 
    E foi assim que ela se foi. Sem ninguém saber o porquê. Como se tivesse coisa mais importante pra fazer. Simplesmente não apareceu mais.
    A segunda história não sei bem como começa, se foi no You Tube, na Lastfm ou  na rádio Eldorado. O fato é que comecei a ouvir uma  cantora dessa tal nova safra.
     Sua voz carregada de subjetividade me atingiu em cheio. É de uma grandeza arrebatadora, de uma força de diva de jazz. É de um jeito de menina que parece estar brincando e assusta-se porque os outros a levam à sério.
     Tem a alma colorida. Usa saia rodada e brincos grandes. Tem grandes olhos abertos  de insônia de quem vê a cidade do alto. E acha graça dos que dormem em absoluto silêncio. Tem um moço com quem divide taças de vinho e sonhos de vida com tanta arte que às vezes sangra pelas paredes. 
    E ela canta, a música a inventou. E ela inventou de cantar. Ainda bem. Pois assim tem  preenchido minhas tardes de poesia. E pude saber que minha misteriosa colega de trabalho tinha que se transformar em  Ana Cañas.
 


sexta-feira, 6 de junho de 2008

Todos os Homens do Mundo





      Não foi paixão à primeira vista. Na verdade, da primeira vez achei mal editado, sem ritmo e um pouco confuso. 
      Mas com o passar dos programas fui sendo cativada pela doçura de Domingos de Oliveira, pelo seu olhar que olha e que vê, e de quem ouve além das palavras.
     A parceria pulsante com Priscilla Rozembaun me enche de esperanças de que realmente não existe diferença entre a vida e a arte, e principalmente entre o amor e a vida! 
    As entrevistas são generosas porque são verdadeiros encontros de pessoas interessadas umas nas outras. Beira ali um clima de mesa de bar, de camaradagem absoluta.
    Delícia ser assim surpreendida com um programa de televisão. Aliás para descrença geral da nação, a televisão anda me causando boas surpresas ultimamente. Acho que foi um jeito diferente de aproveitar o olhar do que vejo.
   Para encerrar, o texto declamado por Domingos de Oliveira em seu filme  "Separações" e que lhe caí como uma luva.


 Homem Lúcido
     O homem lúcido sabe que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções que nunca se entusiasma com ela, assim como não teme a morte. 
    O homem lúcido sabe que viver e morrer são o mesmo em matéria de valor, posto que a Vida contém tantos sofrimentos que a sua cessação não pode ser considerada um mal.
    O homem lúcido sabe que é o equilibrista na corda bamba da existência. Sabe que, por opção ou acidente, é possível cair no abismo, a qualquer momento, interrompendo a sessão do circo.

    Pode também o homem lúcido optar pela Vida. Aí então, ele esgotará todas as suas possibilidades. Passeará por seu campo aberto e por suas vielas floridas. Saberá ver a beleza em tudo. Terá amantes, amigos, ideais. Urdirá planos e os realizará. Resistirá aos infortúnios e até às doenças. E, se atingido por algum desses emissários, saberá suportá-los com coragem e mansidão.
   Morrerá o homem lúcido de causas naturais e em idade avançada, cercado por filhos e netos que seguirão sua magnífica aventura. Pairará então, sobre sua memória uma aura de bondade. Dir-se-á: aquele amou muito e fez bem às pessoas.

    A justa lei máxima da natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem iguale-se sempre à quantidade de acontecimentos favoráveis. O homem lúcido que optou pela Vida, com o consentimento dos Deuses, tem o poder magno de alterar esta lei. Na sua vida, os acontecimentos favoráveis estarão sempre em maioria.
    Esta é uma cortesia que a Natureza faz com os homens lúcidos.

texto Caldaico(*) do VI século a.C

Todos os Homens do Mundo
Canal Brasil
Quarta às 21h30  alternativo: Quinta às 16h30 e Sábado às 15h30