segunda-feira, 30 de março de 2009

     Dela, herdei o gosto por samba-canção. 
   Sentada na máquina de costura, cantava centenas de vezes o mesmo refrão. Eu encarava assustada a capa do LP que girava na vitrola. Eram grandes e dramáticos olhos. Foi assim, meio com medo, que conheci Maysa.
   Os discos cheiravam a mofo e a maresia, ao mesmo tempo. E eu adorava o barulhinho da agulha rangendo no vinil. Orlando Silva, Nelson Gonçaves, Doris Monteiro, Lucio Alves, Braguinha, eram tantos que mal cabiam nas férias que eu passava com ela, minha avó. 
   Dick Farney era o homem mais lindo do mundo, confessávamos uma para a outra. E eu sabia, quando escolhia o disco de Elis, que ela ficaria com os olhos cheios d'água. Aliás, a única vez em que a vi chorando foi na morte de Elis Regina. Cantora essa que evitei um bocado na infância e que só me permiti resgatá-la há pouco tempo, não também sem chorar, herança genética.
   O que eu gostava mesmo eram das marchinhas de carnaval, Lamartine Babo, Pixinguinha, Cartola, Ary Barroso. Que delícia, ela deixava eu vestir seus vestidos longos e colocar todos os colares de seu armário. Vaidosa que só ela, sua coleção de brincos e afins, broches e maquiagem era imensa, e to-di-nha minha nesses momentos. Eu dançava vestida de Carmem Miranda até doer o pé. E ela me contava histórias e histórias de Carnaval, e todos os bafos envolvendo as cantoras do rádio, as brigas de Linda e Dircinha Batista.
   Ela me levava para os bares de Santos, onde sempre tinha um violão e eu podia cantar "Carinhoso" e "Conversa de Botequim" ( Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...) para surpresa de todos. Depois de algumas caipirinhas ela ía para uma boate chamada "Chão de Estrelas" numa referência explícita a Silvio Caldas. Mas lá eu não podia entrar. E eu ficava então a imaginar toda a sorte de coisas que acontecem num lugar com esse nome. 
   Hoje eu sei que ela não pisava nos astros distraída, pois sabia que a ventura dessa vida, é a cabrocha, o luar e o violão.


Um comentário:

Kely disse...

Coisa bonita gente banhada de história e batizada de futuro... Lindo demais teu texto. Um beijo. Kely